Devido ao novo coronavírus, dezenas de peregrinações a importantes locais religiosos, como o Caminho de Santiago de Compostela (Espanha), foram restringidas. A pandemia poderia afetar também os eventos e o fluxo de peregrinos no próximo Ano Jubilar Compostelano, em 2021.

Idealizadora do Caminho Brasileiro de Santiago de Compostela juntamente com Fábio Tucci Farah, Mariana Mansur afirmou que, “como a crise gerada pela Covid-19 deve se estender até o próximo ano, o Cabido da Catedral de Santiago de Compostela avalia a possibilidade de solicitar a Roma a prorrogação do Ano Santo até 2022”.

O Ano Jubilar Compostelano – explicou Mansur – “remonta ao século XV e é celebrado quando a Festa de São Tiago, 25 de julho, coincide com o domingo”. Este fato “se repete a cada 6, 5, 6 e 11 anos”, sendo que o último foi celebrado em 2010 e “iniciou o intervalo de onze anos para o próximo, em 2021”.

“Durante o Ano Jubilar, a porta santa é aberta pelo arcebispo e os peregrinos podem obter indulgência plenária, observando as normas determinadas pela Igreja”, contou, ressaltando que esta “é a época de maior fluxo de peregrinos”.

Ao indicar a possibilidade de prorrogação do próximo Ano Santo até 2022 Mansur destacou que não será a primeira vez que algo assim acontece. “Há um precedente recente: a crise provocada pela Guerra Civil Espanhola, em 1937, quando a petição do santuário compostelano foi acatada pelo então Papa Pio XI e a porta santa permaneceu aberta também durante o ano seguinte”.

Reflexos da pandemia nas peregrinações

Por conta da pandemia, houve uma consequente diminuição nas peregrinações pelo Caminho de Santiago, afetando também os diversos serviços que se desenvolvem para atender aos peregrinos.

“A atual pandemia é a primeira crise do século XXI na peregrinação jacobeia. Com a quarentena, o número de peregrinos no Caminho – maior a cada ano – foi reduzido a quase nada. Os albergues precisaram fechar as portas. E muitos não terão fôlego para reabrir na retomada”, afirmou Fábio Tucci Farah.

Embora “peregrinos de diversos países ainda estão impedidos de ir à Espanha, entre eles os brasileiros e os norte-americanos”, indicou Mariana Mansur, “os europeus já estão retornando ao Caminho de Santiago de Compostela”.

“Em julho do ano passado, uma média diária de 2000 peregrinos retiravam a Compostela na Oficina Internacional de Acogida al Peregrino”. Agora, “com a reabertura, entre 200 e 300 peregrinos estão sendo registrados diariamente. Diversos albergues permanecem fechados, como todos os do Caminho Sanabrés”. Além disso, “por uma questão sanitária, os que reabriram não estão funcionando com 100% da capacidade”.

“Talvez a peregrinação jacobeia retome o fôlego que tinha antes da pandemia quando surgir uma proteção eficaz contra o novo coronavírus”, pontuou.

Valorizando a experiência espiritual da jornada

O idealizador do Caminho Brasileiro, Fábio Tucci Farah, observou, que a peregrinação ao sepulcro de São Tiago já passou por diversas dificuldades ao longo dos anos, sempre resistindo.

“A peregrinação ao sepulcro de São Tiago surgiu durante uma terrível crise: a ocupação moura da Península Ibérica. Naquela época, chegar ao sepulcro do Apóstolo era uma aventura arriscada. As relíquias de São Tiago no extremo da civilização ocidental guiaram a Reconquista e ajudaram a forjar a Europa. Diversas crises atingiram a peregrinação no decorrer dos séculos. Guerras, ameaças, pragas”, disse, citando por exemplo a peste negra que “desencorajou a peregrinação” no século XIV.

 “Já em 1589, o corsário inglês Francis Drake ameaçava marchar sobre Santiago de Compostela e destruir as relíquias do Apóstolo. Para evitar que o maior tesouro do santuário caísse em suas mãos, o arcebispo Juan de Sanclemente ordenou que fosse escondido. Desde então, os peregrinos que chegavam ao santuário não podiam mais venerar as relíquias de São Tiago, redescobertas apenas no século XIX e autenticadas por uma bula do papa Leão XIII, a Deus Omnipotens (1884)”, relatou.

Entretanto, conforme assinalou Farah, “o final dessa crise secular foi o prelúdio de outras duas”, sendo a primeira “a devastadora Gripe Espanhola que infectou um quarto da população mundial e matou entre 17 e 50 milhões de pessoas”, e a segunda “a Guerra Civil Espanhola, que fez o Papa Pio XI prorrogar o Ano Jubilar até 1938”.

“Foram graves crises e cada uma trouxe reflexos significativos para a peregrinação a Santiago de Compostela”, declarou, acrescentando que agora “ainda é cedo para avaliar todos os reflexos” da pandemia de Covid-19, “mas uma coisa é certa: o Caminho de Santiago jamais deixará de existir. Ele não é um mero empreendimento humano. A voz de São Tiago continuará arrastando multidões ao ‘fim do mundo’ até o fim dos tempos”.

Uma alternativa adotada por muitos peregrinos frente à impossibilidade de ir fisicamente ao túmulo de São Tiago, por causa da pandemia, tem sido a “peregrinação virtual”.

“Quem peregrina a Santiago de Compostela percorre dois caminhos, o exterior e o interior. Quando o Caminho exterior foi fechado por causa da pandemia, houve a valorização do interior”, indicou Farah, ressaltando que muitos têm compartilhado suas experiências no Caminho através das redes sociais. Há ainda grupos religiosos que “se uniram virtualmente em novenas ao Apóstolo”.

“Quando esses peregrinos retornarem ao Caminho real, imagino que valorizarão ainda mais a experiência espiritual da jornada”, completou.

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