Vários especialistas asseguram que as acusações que afirmam que o Papa Pio XII ocultou o conhecimento do Holocausto ao Vaticano se baseiam em afirmações exageradas e não representam a verdade.

Pe. Hubert Wolf, professor de história da Universidade de Münster (Alemanha), afirmou no mês passado que nos arquivos do Vaticano abertos recentemente sobre o Papa Pio XII, havia encontrado um memorando antissemita que sugeria que o Pontífice sabia do Holocausto na Europa antes do Governo dos Estados Unidos, mas fez esforços para ocultar seu conhecimento.

Mas Ronald Rychlak, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Mississippi e autor de "Hitler, the War and the Pope", disse à CNA – agência em inglês do Grupo ACI - que o argumento do Pe. Wolf não resiste ao escrutínio histórico.

O que o Papa Pio XII sabia e fez durante a Segunda Guerra Mundial foi fonte de controvérsia durante anos. Essa controvérsia foi reacendida no início de março, quando o Vaticano abriu seus arquivos sobre Pio XII aos pesquisadores. Pe. Wolf estava entre os pesquisadores, mas uma semana após a abertura dos arquivos, o bloqueio do coronavírus na Itália os obrigou a interromper o trabalho.

Sem se deixar abater, Pe. Wolf disse aos meios alemães e norte-americanos neste mês que havia encontrado um documento fundamental, o qual poderia provar que Pio XII mentiu ao governo dos Estados Unidos ao afirmar em 1942 que não podia verificar os relatórios de inteligência, que provinham da Agência Judaica para a Palestina, em Genebra, sobre campos de extermínio para o assassinato em massa de judeus na Polônia e na Ucrânia.

Quando os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra Mundial, em 1942, ainda não tinham conhecimento da magnitude das atrocidades cometidas contra judeus em toda a Europa, especialmente o assassinato em massa de judeus no Leste Europeu. No entanto, havia recebido relatos dessas atrocidades e estava se esforçando para verificá-las.

Em 1942, o Vaticano também recebeu relatórios, principalmente de líderes da Igreja, sobre o assassinato em massa de judeus pelas forças nazistas.

No entanto, em setembro de 1942, quando uma autoridade dos EUA pediu ao Vaticano para verificar um relatório da Agência Judaica para a Palestina, as autoridades do Vaticano disseram que não podiam confirmar de forma independente a informação contida sobre a existência de campos de extermínio, mas que o Vaticano sim sabia, e recebeu relatos sobre atrocidades cometidas pelas forças nazistas, acrescentando que "a Santa Sé está aproveitando todas as oportunidades oferecidas para mitigar o sofrimento".

Rychlak disse à CNA que a preocupação da Santa Sé em fazer um julgamento sobre a verificação de qualquer relatório “pode logicamente remeter-se à Primeira Guerra Mundial, quando frequentemente circulavam histórias falsas de atrocidades”.

Mas, depois de examinar os arquivos de Pio XII por uma semana em março, Pe. Wolf assinalou para os jornalistas, neste mês, um memorando de 1942 de um membro da equipe do então secretário de Estado do Vaticano, Dom Angelo Dell'Acqua , que mais tarde se tornou Cardeal. O memorando, que não foi divulgado ao público, aparentemente advertiu contra a verificação do relatório da Agência Judaica para a Palestina.

Pe. Wolf disse aos jornalistas que o memorando adverte contra crer no relatório porque os judeus "facilmente exageram".

"Este é um documento chave que nos foi ocultado porque é claramente antissemita e fornece informações gerais sobre por que Pio XII não falou contra o Holocausto", disse o Pe. Wolf a um jornal católico em Münster.

O jornalista alemão Michael Hesemann também esteve entre os pesquisadores que examinaram os arquivos de Pio XII em março. Em uma declaração enviada à CNA, disse que o Pe. Wolf fez sua afirmação sobre Pio XII sem entender o significado do memorando que encontrou ou sua importância.

Acrescentou que o memorando "adverte sobre não fazer conclusões precipitadas sobre a nova informação”, porque “é necessário assegurar que sejam certas, já que os exageros ocorrem facilmente, também entre os judeus. Com outras palavras: Confia, mas verifica!”.

"Para Wolf, isso é evidência do antissemitismo do Vaticano durante o pontificado de Pio XII. Para ele significa, e é assim que ele parafraseia em várias entrevistas com os meios alemães: ’Todos os judeus são mentirosos’", disse Hesemann.

"Mas não significa nada disso", disse Hesemann, explicando que o memorando tinha a intenção de fomentar a precaução contra qualquer exagero.

“E, de fato, o relatório da Agência Judaica continha vários rumores que não eram certos, em absoluto, como sabemos hoje. Afirmou que ‘em todo o leste da Polônia e nos territórios russos ocupados, já não há nem um só judeu vivo’. Sabemos que milhares sobreviveram no subsolo ou se converteram em partidários”.

"Nenhum governo do mundo atuaria apenas com um relatório, mas espera uma verificação independente, por isso o presidente Roosevelt perguntou ao Vaticano, em primeiro lugar”, acrescentou.

De qualquer forma, disse Hesemann, a nota "não influenciou a política papal, que permaneceu igual antes e depois, nem contém nenhuma informação nova. É uma lembrança de um homem para confiar e verificar e nada mais”.

O memorando não está incluído em um cache de 11 volumes de documentos do Vaticano da Segunda Guerra Mundial. Para o Pe. Wolf, essa é uma razão para ser cético em relação aos volumes, de acordo com The Washington Post.

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Mas para Hesemann, a nota não foi incluída "não por causa de um encobrimento do Vaticano, mas porque é irrelevante".

Hesemann alertou que Pe. Wolf, que “promoveu as teorias da conspiração” sobre Pio XII no passado, “tira conclusões prematuras, culpa o Vaticano por um encobrimento e cria manchetes sensacionais” para promover “sua própria agenda”, que é, "deter o processo contínuo de beatificação de Pio XII, pelo menos até que ele e sua equipe tenham avaliado a última das páginas que o Papa Francisco disponibilizou para pesquisas históricas".

Rylchak mostrou evidência, apresentada em seu livro, da preocupação de Pio XII em se opor aos nazistas, que segundo ele foi bem conhecida pelos jornalistas e bispos durante a Segunda Guerra Mundial. Também assinalou que Pio XII, através de uma “longa série de comunicações com os bispos norte-americanos”, alentou a oposição à ideologia nazista.

"Apesar de tudo isso, Wolf nos faria acreditar que Pio não divulgou sua opinião devido à nota de um assistente de baixo escalão”, disse Rylchak, qualificando a afirmação de “ridícula”.

Publicado originalmente em CNA. Traduzida e adaptada por Nathália Queiroz.

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