No primeiro domingo do mês do Sagrado Coração de Jesus, Padre Guilherme Silva dos Santos retornou ao ministério sacerdotal, após cerca de um ano e meio afastado, período em que, enquanto vivia um processo de discernimento, em sua paróquia de origem, o Apostolado da Oração o sustentava com suas preces.

Em declarações à ACI Digital, Pe. Guilherme assinalou que os membros do Apostolado da Oração da Paróquia Nossa Senhora de Lourdes, na Diocese de Petrópolis (RJ), lhe mostraram a verdadeira vocação do Sagrado Coração de Jesus.

“Eles não desistiram de mim, quando eu já tinha desistido de mim, quando eu tinha desistido deles e de todo o mundo. E essa é a vocação do Sagrado Coração de Jesus, não desistir de ninguém, ainda que tenham desistido Dele”, destacou.

“O sentimento que tenho por eles é gratidão, por saber que há pessoas rezando por mim, para que eu seja feliz”, afirmou o sacerdote.

Padre Guilherme na Missa em que retornou ao ministério sacerdotal / Foto: Pascom Diocese de Petrópolis

Pe. Guilherme, de 29 anos, foi ordenado sacerdote em 6 de dezembro de 2014, mas, em novembro de 2016, deixou o ministério sacerdotal.

“Foi uma sucessão de fatos até chegar o momento em que percebi que o melhor que poderia fazer era isso”, afirmou, ao recordar que na época servia como vigário na Paróquia Nossa Senhora Aparecida, em Piabetá (RJ), trabalhava com a juventude e dava aulas de Teologia e Filosofia.

Segundo ele, embora seguisse com seus trabalhos, “internamente, aos poucos parecia que alguma coisa não estava funcionando muito bem”. “Quanto mais eu me entregava ao exercício do ministério, no meu lado pessoal, como padre, como pessoa, tinha alguma coisa que não estava se encaixando. Eu não estava encontrando felicidade na minha vida”, contou.

Foi então que, na festa da padroeira, em 12 de outubro de 2015, foi conversar com o Bispo diocesano, Dom Gregório Paixão. Pe. Guilherme lembra que o Bispo pediu que ele ficasse calmo, continuasse seus trabalhos e também passou a acompanhá-lo.

Além do acompanhamento do Prelado, o sacerdote ainda contou com seu diretor espiritual e uma psicóloga. “Continuei minha vida normal. Fiz o que meu Bispo me pediu: ‘dê 100% de você como padre, viva intensamente como padre’”.

Como as dificuldades continuavam, em fevereiro de 2016, Dom Gregório Paixão transferiu Pe. Guilherme para a Paróquia Nossa Senhora de Fátima, em Petrópolis, cujo pároco era Pe. André Luiz Barbosa, seu diretor espiritual e amigo. “Dentro dessa situação que ninguém sabia o que estava acontecendo, só o bispo e o Padre André, ele me acolheu na paróquia”.

“Eu tentava fazer o melhor de mim, mas quanto mais eu ajudava as pessoas nas suas necessidades, mais eu sofria”, recordou.

Foi por volta de julho daquele ano que Pe. Guilherme pensou em “pedir para deixar de ser padre”, o que apresentou ao seu diretor espiritual, à psicóloga e também ao Bispo. Como era uma decisão que não deveria ser tomada “do dia para a noite”, continuou ainda alguns meses “amadurecendo essa possível decisão”, a qual resolveu “entregar nas mãos de Deus”.

Até que em outubro de 2016, por indicação de seu diretor espiritual, foi para Fortaleza (CE) por um mês, para participar de um retiro na Comunidade Católica Shalom, quando Deus lhe “deu uma graça de perceber que, naquele momento, o que tinha que fazer era deixar o sacerdócio”.

“Muitas coisas aconteceram na minha caminhada. Teve um ponto ao longo de todo meu trajeto que não sei se foi a influência ou a mão de Deus – acho que só na eternidade vou saber exatamente –, mas, muitas vezes, decisões minhas foram tomadas para satisfazer outras pessoas, eu confiei muito em outras pessoas e isso nunca foi um problema para mim”, disse.

Assim, pontuou, “diante de toda essa crise na minha vocação, já não conseguia dizer se meu sacerdócio era porque eu queria ou se era porque outras pessoas queriam”.

Naquele retiro, no último dia, o sacerdote disse ter sentido “uma paz”. “Deus me deu a coragem e a graça de perceber que eu precisava deixar o sacerdócio para responder o que queria para ser feliz”.

Assim, em 23 de novembro de 2016, deixou o sacerdócio. Porém, “quando entreguei a carta ao Bispo, ele só me fez um pedido, que eu não fechasse as portas ao sacerdócio, que o caminho que eu estava iniciando não era um caminho de decisão, mas sim de discernimento”.

A partir daquele momento, além do desgaste físico, psicológico e espiritual, Pe. Guilherme não tinha nada. “Eu nunca tive um plano B na minha vida, tudo o que tinha eram meus livros e roupas de padre”.

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Voltou a morar com sua família e, durante 15 dias, não saiu de casa e estava sem voz. “Ter a minha família naquele momento foi importante”, sublinhou.

Mãe de Padre Guilherme beija suas mãos / Foto: Pascom Diocese de Petrópolis

Certo dia, recebeu a ligação de seu padrinho, ao qual afirmou que precisava de um trabalho. “E ele me disse: ‘Deixe que as pessoas cuidem de você, porque se você ficar desesperado agora para arrumar um emprego, você pode arrumar qualquer coisa e daqui a pouco vai acabar se perdendo’”.

Sobre este período, o sacerdote admitiu à ACI Digital que “foi um tempo de muita humilhação, ótima humilhação”. “Eu percebi que tinha subido em um pedestal e também me colocaram em um pedestal muito alto. Por isso, foi ótimo cair na realidade, uma realidade que achei que conhecia, mas não conhecia”.

O primeiro emprego que conseguiu foi como auxiliar de serviços gerais em um petshop. Mais tarde, decidiu continuar os estudos, pois já tinha Bacharelado em Filosofia e queria fazer Licenciatura. Em seguida, surgiu outra oportunidade, um estágio na Câmara Municipal de Petrópolis, onde sua função era “pegar a assinatura das pessoas”. E logo após, como precisava de horas de estágio para a faculdade, também resolveu pedir uma oportunidade em uma escola, onde lhe ofereceram a vaga de professor de Filosofia para duas aulas no Ensino Médio.

Assim, seguiu com sua vida, mas sem perder o essencial, questionar o que Deus queria. “Dentro desse percurso, pensei em simplesmente deixar o sacerdócio”.

“A Igreja pede que todo sacerdote que deixa o ministério não assuma nenhuma liderança. Foi o que fiz. Se a Igreja pedia que eu não servisse em nada, então, minha vida foi como de um leigo que vai a Missa aos domingos. Mas, eu chegava na hora que começava e saia depois que todos iam embora, para não falar com ninguém”.

Manteve sua vida de oração privada, “rezava o terço no ônibus, rezava no meu quarto, mas não fazia parte de nenhum movimento e não abria a minha boca para falar nada em nome da Igreja. Ia à Missa, comungava, pedia a Deus a força e caminhava”.

Passado mais um tempo, foi percebendo “que o sacerdócio já tinha ficado para trás, eu estava bem, feliz outra vez, tranquilo e as coisas estavam caminhando. Então, comecei a pensar na possibilidade de um namoro, em começar outra vida”.

“Porém, em nenhum momento eu realmente quis um namoro, começar uma relação com outra pessoa, porque eu sabia que fiz, pelo sacerdócio, a promessa do celibato e, mesmo deixando o sacerdócio, não tive a dispensa do celibato. Então, se eu me relacionasse com qualquer pessoa, eu teria que me afastar da eucaristia e isso eu não queria”, manifestou.

Segundo ele, “mesmo não celebrando a Missa, mesmo com tudo, sem a eucaristia não queria ficar”. “Essa possibilidade não havia. Se eu tivesse que fazer alguma coisa e que essa coisa me afastasse da eucaristia, sabia que não poderia fazer”, acrescentou.

Mesmo assim, escreveu ao Bispo pedindo a liberação do celibato. “Falei com ele que havia deixado as portas ao sacerdócio abertas, mas não queria voltar e, quando pensava em voltar, pensava em todas as coisas que me aconteceram e me causava pânico”.

Mas, novamente, ao deixar Deus conduzir sua vida, tudo foi tomando um rumo oposto ao que imaginava. “Diante de algumas coisas que aconteceram aqui na paróquia no dia de Nossa Senhora Aparecida, tive uma graça de Nossa Senhora”, contou o sacerdote, que se diz grande devoto da Virgem Maria.

“Falava ao meu diretor espiritual, que nesta época já era Pe. Alexandre Brandão, que não me sentia realizado, mas não sabia o que Deus queria de mim e não aguentava mais. Padre Brandão sempre falava: ‘tenha paciência. Um cristão que comunga, que tem devoção pela Virgem Maria, que procura servir como você está fazendo, Deus não deixa desamparado. Não sabemos porque ele está demorando, mas espera’”, recordou.

Assim, contou, começou a perceber que “o desejo de pedir a dispensa do celibato era uma fuga, não era realmente por liberdade. Vejo esse como o primeiro presente de Nossa Senhora para mim. Ela me impediu de tomar uma decisão que ia me fazer ser muito infeliz”.

Uma semana depois, escreveu ao Bispo dizendo que não queria mais a dispensa do celibato e que o sacerdócio voltava a ser uma possibilidade. “Foi então que percebi que de novembro de 2016 a 12 de outubro de 2017 não foi um tempo de tomar decisões, mas de curar feridas. E era isso que meu padrinho queria dizer quando falou para deixar as pessoas cuidarem de mim”.

Chegou então a Quaresma de 2018 “e Deus foi me mostrando que minha vida estava muito cômoda, que o tempo de cura já tinha passado e que o sacerdócio era realmente o que eu queria”.

“Todo o tempo de Quaresma deste ano eu fui esperando a Páscoa, quarenta dias que fui perguntando a Deus o que queria de mim: ‘se é ser padre outra vez, que na Páscoa o Senhor me diga’”, disse.

Então, “no período de Páscoa, fui percebendo que eu era feliz como professor, sendo só o Guilherme, mas a minha felicidade como sacerdote era o que eu queria, o sacerdócio voltou a ser algo que eu queria”.

Falou com o Bispo sobre esta decisão e que estava disposto a se “preparar para voltar”, sem saber ainda quando. “Foram esses meses esperando o Senhor mostrar o dia”, indicou.

Mais tarde, um novo toque da providência divina se fez ver na vida deste sacerdote. “Quando falei para o Bispo que queria conversar com ele, dez minutos antes ele tinha recebido a ligação do Frei Augusto, responsável pelo Lar São João de Deus, dizendo que eles estavam sem padre e precisavam de um padre”. Agora, de volta ao sacerdócio, Pe. Guilherme irá servir como capelão neste lar de idosos.

No último dia 3 de junho, Pe. Guilherme retornou ao ministério sacerdotal com Missa presidida na sua paróquia de origem, Nossa Senhora de Lourdes, momento que, para ele, “foi um presente de Deus”.

“Não tinha atinado que era o mês do Sagrado Coração, que eu ia celebrar no primeiro domingo do mês do Sagrado Coração. Nada disso havia sido planejado, simplesmente foram datas e vemos a providência de Deus em tudo”, disse.

Ao final da celebração, o sacerdote recebeu em procissão os membros do Apostolado da Oração, que beijaram suas mãos e lhe deram um abraço.

Membros do Apostolado da Oração saúdam Pe. Guilherme / Foto: Pascom Diocese de Petrópolis

“Esse Apostolado da Oração foi fundado uma semana antes de eu deixar o ministério. Então, sem eles saberem, a primeira intenção deles foi rezar por mim”, expressou à ACI Digital.

Ao assinalar que é importante rezar pelos sacerdotes, Pe. Guilherme ressalta que “os membros desse Apostolado não poderiam rezar para que alguém fosse algo”. “Hoje, eles têm o Padre Guilherme, porque rezaram para que eu fosse feliz. Esse é o fruto da oração deles. O Apostolado de Oração alcançou as suas preces na minha vida porque rezou para eu ser feliz”, completou.

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