Dom Juan José Aguirres é o Bispo de Bangassou (República Centro-africana) há 18 anos; entretanto, vive neste país em conflito há quase 40 anos e participou de maneira ativa das tentativas de pacificação entre as guerrilhas.

O Bispo foi entrevistado pelo jornal ‘ABC’ e relatou a escassez de alimentos que se vive nessa região e que leva as mulheres a vender seu corpo aos capacetes azuis da ONU por um pouco de comida.

“Estão desesperadas, morrem de fome e, muitas vezes, eles mesmas insistem em se vender para poder comer”, explica na entrevista. Indicou que, durante uma visita de António Guterres, secretário geral das Nações Unidas, a Bangassou, explicou-lhe que “havia mulheres violadas, algumas menores de idade, e que isso era um crime contra a humanidade”.

A ONU abriu uma investigação, mas não foram encontrados os responsáveis. De fato, recorda como, em 2015, capacetes azuis do Congo foram expulsos por oferecer comida em troca de sexo.

“A esses soldados não cabia nada para entregar as latas de lentilhas”, mas eram usadas como moeda de troca.

Como consequência da violência, no último sábado, um grupo atacou algumas religiosas na cidade de Rafai, a 150 quilômetros de Bangassou. O Prelado assegura que nas próximas semanas viajará a essa região para dar ânimo ao dois sacerdotes que dirigem um colégio com 2 mil alunos.

“Se apoiamos os professores, as escolas continuarão de pé e, se essas funcionam, crianças muçulmanas e não muçulmanas conviverão nas aulas e os pais evitarão brigar”, explicar.

Neste país africano existe uma guerrilha chamada Anti-balaka, que busca se vingar dos muçulmanos depois que, anos atrás, o grupo islâmico Seleka assassinou milhares de pessoas.

Durante os ataques que aconteceram em 2017, este Bispo espanhol acolheu 2 mil muçulmanos para salvar suas vidas das milícias Anti-balaka e fez um escudo humano.

Segundo indica, esta guerra “de baixa intensidade”, como ele a define, não é resultado de um conflito entre religiões, mas de interesses econômicos. “Há um forte interesse em converter uma parte da República Centro-africana em um estado independente muçulmano. Assim, a Arábia Saudita conseguiria uma fronteira de mil quilômetros que lhe permitiria chegar ao Congo, país apreciado por todos por sua riqueza em coltan, manganês ou cobre”, assegura na entrevista.

O Bispo vai periodicamente à Espanha, porque está ameaçado de morte, mas garante que não pensa em deixar o país. “Os Anti-Balaka me chamam de traidor por proteger os muçulmanos. Uma pessoa colocou uma metralhadora na minha cabeça. Lembro que tinha os olhos vidrados por causa da droga. Eu estava no meu carro e, lentamente, comecei a aumentar o volume da música para que parasse de gritar e se acalmasse”, recorda a ‘ABC’.

O Prelado destaca ainda: “Como vou deixar as pessoas lá? Vão morrer. A Igreja Católica é a última a apagar a luz. Não podemos sair”.

Além disso, Dom Aguirre explica que, entre os muçulmanos que vivem na Diocese de Bangassou, há um grupo que se radicalizou. “Estão em um espaço pequeno, sentem-se encurralados. Há cerca de cem que se radicalizaram, roubaram-nos tudo, destruíram instalações, também a estátua da Virgem... Buscam um bode expiatório, porque perderam tudo”.

O Prelado reconhece que esta situação de constante conflito o esgota física e psicologicamente. “Não durmo bem, tenho muito estresse. Cada vez que rezava, escutava ao fundo bombas e metralhadoras. Tive momentos de fragilidade psicológica e, por isso, voltei (para a Espanha temporariamente). Verbalizar ajuda a sair do estado de choque”, afirma.

Dom Aguirre assegura que, “se perderem a esperança, é preciso inventá-la novamente. Porque, se um dia o apartheid acabou, isso também pode acabar”.

Mas, sabe que sua esperança e sua força estão no Senhor. “Fixo meus olhos nos olhos do Senhor para reunir força e energia. Busco o silêncio do corpo e da mente para deixar abertos apenas os olhos e o espírito e, assim, introduzir meus olhos nos olhos do Senhor”.

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