O Papa Francisco enviou uma mensagem aos bispos latino-americanos para incentivá-los a não ter medo “da lama da história” nem de se sujar pelos fiéis, pois “só peca aquele que não tem medo de se arriscar e comprometer pelos ‘sujos’”.

O Santo Padre dirigiu esta mensagem aos prelados reunidos na 36ª Assembleia Geral Ordinária do Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM), que acontece em El Salvador até o dia 12 de maio.

O texto foi lido pelo presidente do CELAM, Cardeal Rubén Salazar Gómez. O Pontífice faz uma reflexão baseada na história do encontro da imagem de Nossa Senhora Aparecida, que neste ano de 2017 completa 300 anos.

Francisco recordou que a pequena imagem de apenas 36 centímetros foi encontrada há 300 anos por um grupo de pescadores que “saiu como de costume para lançar suas redes”. “Saíram para ganhar a vida e foram surpreendidos por um achado que mudou seus passos: em suas rotinas, foram encontrados por uma pequena imagem toda recoberta de lama. Era Nossa Senhora da Conceição”, que logo seria conhecida como Nossa Senhora Aparecida.

“Nossa Senhora Aparecida nos faz crescer, nos submerge em um caminho discipular. Aparecida é toda ela uma escola de discipulado. E, sobre isso, gostaria de destacar três aspectos”, indicou o Papa.

O Pontífice disse que o primeiro aspecto são os pescadores, “um grupo de homens que sabiam enfrentar as incertezas do rio, que viviam na insegurança de não ter o que levar para seus filhos”, mas acostumados “a enfrentar inclemências com a coragem e certa santa “teimosia” de quem, dia a dia, não deixa – porque não podem – de lançar as redes”.

O segundo aspecto é a Mãe, indicou o Papa. Maria conhece a vida de seus filhos e “vai onde não a esperam”. “No relato de Aparecida, a encontramos suja de lama no rio. Ali ela esperava seus filhos, em meio a suas lutas e anseios. Não tem medo de se submergir com eles nas vicissitudes da história e, se necessário, sujar-se para renovar a esperança. Maria estava ali, onde os pescadores lançam suas redes, onde esses homens tentam ganhar suas vidas. Ali ela está”, afirmou.

Finalmente, vem o encontro, assinalou Francisco. “As redes não se encheram de peixes, mas de uma presença que lhes preencheu a vida e lhes deu a certeza de que em suas tentativas, em suas lutas, não estavam sozinhos. Era o encontro desses homens com Maria”, indicou.

O Papa explicou que em Aparecida está a “dinâmica do Povo crente que se confessa pecador e salvo, um povo corajoso e teimoso, consciente de que suas redes, sua vida, estão cheias de uma presença que o anima a não perder a esperança”. “Tudo isso nos apresenta um belo ícone que a nós, pastores, nos convida a contemplar”, exortou o Pontífice.

Francisco, que em seu texto denunciou a corrupção como “um dos pecados mais graves que assola o nosso Continente”, assinalou que Aparecida não traz receitas “mas chaves” para “‘acender’ o desejo de nos despojar de todo o desnecessário e voltar às raízes, ao essencial, à atitude que fez de nosso continente a terra da esperança”.

O Santo Padre indicou que o primeiro convite que este ícone faz aos pastores é a aprender a olhar, escutar e conhecer o Povo de Deus. “Como temos a aprender da fé desta gente; a fé de mães e avós que não têm medo de se sujar, pois sabem que o mundo está cheio de injustiças, onde a impunidade da corrupção continua cobrando vidas e desestabilizando cidades”.

“Não só sabem... vivem. E elas são o claro exemplo da segunda realidade que, como pastores, somos convidados a assumir: não tenhamos medo de nos sujarmos por nossa gente. Não tenhamos medo da lama da história a fim de resgatar e renovar a esperança. Só pesca aquele que não tem medo de se arriscar e comprometer pelos sujos”.

Francisco esclarecer que “isso não nasce da heroicidade ou do caráter kamikaze de alguns, nem é uma inspiração individual de alguém que se quer imolar. Toda a comunidade crente é a que vai em busca de seu Senhor, porque somente saindo e deixando as seguranças (que tantas vezes são ‘mundanas’) é como a Igreja se centra. Somente deixando de ser autorreferencial somos capazes de ‘re-centrarmos’ Naquele que é fonte de Vida e Plenitude”.

O Papa assinalou que ‘re-centrar’ “com Cristo em seu povo é ter a coragem de ir às periferias do presente do futuro, confiando na esperança de que o Senhor segue presente e Sua presença será fonte de Vida abundante”.

Nesse sentido, incentivou a viver a realidade de hoje, cada vez mais complicada e desconcertante, “como discípulos do Mestre, sem nos permitirmos sermos observadores assépticos e imparciais, mas homens e mulheres apaixonados pelo Reino, desejosos de impregnar as estruturas da sociedade coma Vida e o Amor que conhecemos”.

“Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças”, expressou Francisco ao recordar passagens de sua exortação apostólica Evangelii Gaudium.

“Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida”, assinalou.

Francisco assegurou aos bispos que “isso ajudará a revelar a dimensão misericordiosa da maternidade da Igreja que, a exemplo de Aparecida, está entre os ‘rios e lamas da história’ acompanhando e encorajando a esperança para que cada pessoa, onde esteja, possa sentir-se em casa, possa sentir-se filho amado, buscado e esperado”.

O Papa afirmou que o diálogo com o povo fiel de Deus “oferece ao pastor duas atitudes muito lindas a cultivar: coragem para anunciar o Evangelho e resistência para superar as dificuldades e os problemas que a mesma pregação provoca”.

“Na medida em que nos envolvermos com a vida de nosso povo fiel e sentirmos a profundidade de suas feridas, poderemos ver, sem ‘filtros clericais’, o rosto de Cristo, ir ao seu Evangelho para rezar, pensar, discernir e nos deixarmos transformar, a partir de Seu rosto, em pastores de esperança”, concluiu.

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