O Diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Pe. Federico Lombardi, desmentiu rotundamente que tenha sido realizada uma nova “entrevista” ao Papa Francisco por parte do diretor do jornal de esquerda italiano La Repubblica, Eugenio Scalfari -publicada neste dia 13 de julho- na qual se atribui ao Santo Padre afirmações como dois por cento dos sacerdotes são pedófilos e que entre eles haveriam bispos e cardeais.

“Não se pode e não se deve, portanto, falar de algum modo de uma entrevista, no sentido habitual do termo, como se fosse uma série de perguntas e respostas que refletem fielmente e com certeza o pensamento exato do interlocutor”, disse o Pe. Lombardi em uma declaração divulgada depois da publicação da nota ontem.

Como se recorda, Scalfari, um importante jornalista de 90 anos que se declara ateu, conversou no dia 24 de setembro do ano passado com o Santo Padre e publicou uma nota a respeito em 1º de outubro. Este texto provocou más interpretações na imprensa internacional, por isso o Pe. Lombardi teve que advertir que nesse encontro o jornalista “não gravou a sua entrevista com o Papa Francisco e também não anotou, por isso o texto foi uma reconstrução depois dos fatos".

Com efeito, um mês depois dessa publicação e em um evento da imprensa estrangeira em Roma, Scalfari explicou que “é de verdade possível” que algumas das palavras que atribuiu ao Papa “não fossem compartilhadas pelo Pontífice mesmo”. Explicou também que, em geral, não grava suas entrevistas nem anota: “trato de entender a pessoa que estou entrevistando e depois escrevo suas respostas com as minhas próprias palavras”.

Nesse sentido, sobre a “entrevista” publicada ontem, Scalfari recorda que é a terceira vez que se encontra com o Papa e afirma que “nossos encontros foram desejados pelo Papa Francisco, porque, entre as tantas pessoas de todas as condições sociais, de todas as fés, de todas as idades que ele encontra no seu apostolado cotidiano, ele também desejava trocar ideias e sentimentos com um não crente. O papa considera que uma conversa com um não crente do gênero é reciprocamente estimulante e, por isso, quer continuá-la; digo isso porque foi ele quem me disse. O fato de eu também ser jornalista não o interessa especificamente; eu poderia ser engenheiro, professor ou operário”.

Na nota publicada ontem em La Repubblica, Scalfari escreve que o Santo Padre teria lhe dito que está decidido a encontrar “soluções” para o problema do celibato sacerdotal e que “há bispos e cardeais entre os 2 por cento de pedófilos que são sacerdotes”.

Com relação a isso, o Pe. Lombardi assinala que “como anteriormente e em circunstâncias semelhantes, é necessário salientar que o que Scalfari atribui ao Papa, referindo entre aspas as suas palavras, é fruto da sua memória de jornalista especialista, mas não de transcrição exata de uma gravação e muito menos de revisão por parte do interessado, a quem as afirmações são atribuídas”.

“Há duas afirmações que atraíram muita atenção e que, pelo contrário, não se devem atribuir ao Papa, ou seja, que entre os pedófilos existam ‘cardeais’ e que o Papa tenha afirmado com certeza, a propósito do celibato, ‘encontrarei as soluções’”, precisa o Pe. Lombardi.

A nota publicada ontem tem como título “Come Gesú, useró Il bastone contro i preti pedofili (Como Jesus, usarei o bastão contra os sacerdotes pedófilos)”, uma frase que não se encontra em nenhum lugar da “entrevista”, mas Scalfari teria “deduzido” a partir de uma afirmação do Papa na qual haveria dito que vai enfrentar a “lepra da pedofilia na Igreja” e que “Jesus amava a todos, inclusive os pecadores que Ele queria redimir mediante o perdão e a misericórdia, mas quando usava o bastão, empunhava-o para expulsar o demônio que tinha se apossado daquela alma”.

O Pe. Lombardi questiona também que em algumas afirmações referidas ao celibato, “curiosamente as aspas são abertas antes, mas depois não estão fechadas. Simplesmente faltam as aspas de fechamento... Esquecimento ou reconhecimento explícito de que está sendo feita uma manipulação para os leitores ingênuos?".

Uma destas afirmações, atribuídas ao Pontífice, diz assim: “Muitos dos meus colaboradores que lutam comigo me asseguram com dados confiáveis que avaliam a pedofilia dentro da Igreja em nível de 2%. Esse dado deveria me tranquilizar, mas devo lhe dizer que realmente não me tranquiliza. Pelo contrário, eu o considero gravíssimo. Os 2% de pedófilos são sacerdotes e até bispos e cardeais. E outros, ainda mais numerosos, sabem, mas se calam, punem, mas sem dizer-me o motivo. Eu acho insustentável esse estado de coisas, e a minha intenção é enfrentá-lo com a severidade que exige…

Outra das afirmações sem aspas de fechamento é a seguinte: “Talvez você não saiba que o celibato foi estabelecido no século X, isto é, 900 anos depois da morte de nosso Senhor. A Igreja católica oriental tem a faculdade, desde já, de que os seus presbíteros se casem. O problema certamente existe, mas não é de grande entidade. É preciso tempo, mas as soluções existem, e eu as encontrarei…

Quando Scalfari pergunta se pode haver misericórdia para quem se arrepende no último momento depois de uma vida de pecado, o Papa teria respondido que “é verdade, essa é a nossa doutrina e é o caminho que Cristo nos ensinou”. Ante a pergunta do jornalista sobre se o arrependimento for só interessado, por causa do temor ao que possa acontecer depois, o Santo Padre teria dito que “Nós não julgamos, mas o Senhor sabe e julga. A sua misericórdia é infinita, mas nunca cairá em uma armadilha. Se o arrependimento não é autêntico, a misericórdia não pode exercer o seu papel de redenção”.

Scalfari escreve depois que o Papa Francisco se refere ao que deveria ser a família e atualmente não é: “a família deveria ser o sacrário onde a criança e depois o adolescente são amorosamente educados no bem, animados em um crescimento estimulado para construir a própria personalidade e encontrar-se com a de seus companheiros. Brincar juntos, estudar juntos, conhecer o mundo e a vida juntos. Isto, com seus companheiros. Mas com seus pais, que o trouxeram para o mundo ou lhe viram chegar ao mundo, a relação é como a de cultivar uma flor, um jardim de flores, protegendo-o quando há tempo ruim, desinfetando-o de parasitas, contando-lhes as fábulas da vida e, à medida que o tempo passa, sua realidade”.

“As famílias parecem ter desertado da educação tal como nós a entendemos. Cada qual se dedica aos seus interesses pessoais, frequentemente para assegurar à família um nível de vida suportável, às vezes para perseguir o êxito pessoal, outras vezes por amizades e amores alternativos. A educação como a principal tarefa com os filhos parece ter fugido dos lares. Este fenômeno é uma muito grave omissão”, prossegue.

A máfia

A conversação à qual se refere Scalfari também se refere ao tema da máfia. O Papa teria questionado à maioria das esposas, mães ou irmãs de mafiosos que frequentam a igreja: “Essas mulheres pensam que Deus perdoa os horríveis crimes dos seus parentes?”.

O Santo Padre teria comentado deste modo que “na Argentina há os delinquentes, os ladrões, os assassinos, mas não as máfias. É esse aspecto que eu gostaria examinar, e vou fazer isso lendo os muitos livros que foram escritos a respeito e os muitos testemunhos”.

Francisco teria lamentado depois a atitude de alguns sacerdotes, que “tendem a passar por cima do fenômeno mafioso. Naturalmente, condenam os crimes individuais, honram as vítimas, ajudam como podem as suas famílias, mas a denúncia pública e constante das máfias é rara”.

Na “entrevista” se recorda logo o caso recente de uma procissão na região italiana da Calábria, onde os que levavam uma imagem da Virgem se inclinaram em reverência ao passar pela casa de um mafioso local, o que gerou depois a indignação do Bispo de Oppido Mamertina-Palmi, Dom Francesco Milito, que decidiu suspender todas as procissões como reação à complacência da confraria e o clero local.

“Tudo isso está mudando e vai mudar. A nossa denúncia das máfias não será feita de vez em quando, mas será constante. Pedofilia, máfia: a Igreja, o povo de Deus, os sacerdotes, as comunidades, dentre outras tarefas, terão essas duas questões muito principais”, teria dito o Papa na “entrevista” com o jornalista italiano Scalfari, desmentida formalmente pelo Vaticano.