O Secretário para as Relações com os Estado no Vaticano, o Arcebispo francês Dominique Mamberti, explicou os alcances do novo Motu Proprio em material penal do Papa Francisco, o qual põe em prática convenções das Nações Unidas em matéria de corrupção, delinquência organizada, lavagem de dinheiro, terrorismo, entre outras.

Continuando, o Grupo ACI põe a disposição de seus leitores a íntegra do texto de Dom Mamberti:

"As leis aprovadas hoje pela Pontifícia Comissão para o Estado da Cidade do Vaticano representam uma intervenção normativa de longo alcance, requerida em função do serviço que este Estado, absolutamente peculiar e único em seu gênero, está chamado a realizar em benefício da Sé Apostólica.

A finalidade originária e fundamental do Vaticano, que é garantir a liberdade do exercício do ministério petrino, de fato, requer uma estrutura institucional e ordinativa que prescinde cada vez mais da extensão limitada de seu território, para assumir uma complexidade, similar em alguns aspectos a dos estados contemporâneos.

Nascido com o Tratado de Latrão de 1929, o Estado adotou em bloco o sistema jurídico, civil e penitenciária do Reino da Itália, com a convicção de que era suficiente para regular as relações de direito consuetudinário dentro de um estado cuja razão de ser radica no apoio à missão espiritual do Sucessor de Pedro. O sistema penal originário - que consiste no Código Penal italiano de 30 de junho de 1889, o Código italiano de Procedimento Penal, de 27 de fevereiro de 1913, em vigor em 7 de junho 1929 - experimentou somente mudanças marginais e também a nova lei sobre as fontes do direito (N º LXXI, 1 de outubro de 2008) confirmou a legislação penal de 1929, embora à espera de uma redefinição geral da disciplina.

As leis aprovadas recentemente, sem reformar, não obstante "in radique" o sistema penal, revisam-no em alguns aspectos e o completam em outros, satisfazendo uma série de requisitos. Por um lado, estas leis continuam e desenvolvem a adequação do sistema jurídico vaticano em consonância com as medidas adotadas pelo papa Bento XVI a partir de 2010 sobre a prevenção e a luta contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo.

Nesta perspectiva, decidiu-se pôr em prática, entre outras coisas, as disposições contidas na Convenção das Nações Unidas do ano 2000 contra a delinquência organizada transnacional, na Convenção das Nações Unidas de 1988 contra o tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, na Convenção Internacional de 1999 para a repressão do financiamento do terrorismo, assim como em outras convenções que definem e tipificam as condutas de terrorismo.

Por outro lado, as novas leis introduzem também outras figuras delitivas que se mostram em diversas convenções internacionais já ratificadas pela Santa Sé e que agora se aplicam também na legislação interna.

Entre elas se podem mencionar as convenções: a Convenção de 1984 contra a tortura e outras penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes, e a Convenção Internacional de 1965 sobre a eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, a Convenção de 1989 sobre os direitos da criança e seus protocolos facultativos de 2000; as Convenções de Genebra de 1949 contra os crimes de guerra, etc.

Um título à parte se dedicou também aos crimes contra a humanidade, incluído o genocídio e os outros crimes previstos pelo direito internacional consuetudinário, no sentido do disposto no Estatuto de Roma da Corte Penal Internacional de 1998. Do ponto de vista essencial, por último, cabe destacar a revisão dos delitos contra a administração pública, de conformidade com as disposições contidas na Convenção das Nações Unidas de 2003 contra a Corrupção, assim como a abolição da pena de prisão perpétua, substituída com a pena de reclusão de 30 a 35 anos.

Apesar da novidade inegável de muitas normas acusatórias contidas nestas leis, entretanto, não seria correto pensar que as condutas nelas sancionadas fossem, em precedência, penalmente lícitas. De fato, castigavam-se, de todos os modos, embora sobre a base de evidência de delito mais genérica e ampla. A introdução das novas disposições, entretanto, serve a identificar com maior certeza e definição os casos delitivos e cumprir, assim, com as normas internacionais, ajustando as sanções à específica gravidade dos fatos.

Algumas das novas figuras delitivas introduzidas (por exemplo os delitos contra a segurança da navegação marítima ou aérea, ou contra a segurança dos aeroportos ou plataformas fixas) poderiam parecer excessivos em relação com a realidade geográfica do Estado da Cidade do Vaticano. Estas disposições, entretanto, cumprem, por um lado, com a função de respeitar as normas internacionais estabelecidas no âmbito da luta contra o terrorismo e, por outro, com a condição do cd "Dupla incriminação", a fim de permitir a extradição de todas as pessoas acusadas ou declaradas culpadas desses delitos cometidos no estrangeiro, no hipotético caso de que se refugiem no Estado da Cidade do Vaticano.

Um relevo particular assume também a disciplina da "Responsabilidade administrativa das pessoas jurídicas que se deriva de delitos" (artigos 46 a 51 da Lei de normas complementares em matéria penal), que introduz as sanções que devem impor-se às pessoas jurídicas que participam de atividades delitivas, de acordo com a linha normativa vigente no âmbito internacional.

Neste sentido, decidiu-se combinar o adágio tradicional, observado também no direito canônico, segundo o qual "societas puniri non potest", com a necessidade, cada vez mais sentida no âmbito internacional, de estabelecer sanções adequadas e dissuasivas também a cargo das pessoas jurídicas que se beneficiam da comissão de delitos.

A solução adotada foi a de configurar uma responsabilidade administrativa das pessoas jurídicas, evidentemente nas hipóteses em que se demonstre que o delito se cometeu no interesse ou em benefício da pessoa jurídica mesma.

Mudanças importantes se introduzem também em questões de procedimento. Entre eles podemos mencionar: a atualização das normas sobre confisco, reforçada pela introdução da medida de bloqueio preventivo dos bens (o chamado congelamento), a enunciação explícita dos princípios de um justo processo em um prazo razoável e da presunção de inocência do imputado, e a reformulação da normativa relativa à cooperação judicial internacional com a adoção das medidas previstas nos convênios internacionais mais recentes.

Do ponto de vista da técnica normativa, a pluralidade de fontes a disposição dos peritos foi organizada mediante sua combinação em um conjunto legislativo harmonioso e coerente, no marco do magistério da Igreja e da tradição jurídico-canônica – relevante como fonte principal do direito vaticano (artigo 1, apartado 1, da Lei N. LXXI sobre fontes do direito, de 1º de outubro de 2008) - ao mesmo tempo também tem em conta as normas estabelecidas pelas convenções internacionais e a tradição jurídica italiana, a qual o ordenamento vaticano sempre fez referência.

Com o fim de organizar melhor e regular uma intervenção normativa de conteúdos tão amplos se procedeu a elaborar duas leis separadas. Em uma se agruparam todas as normas que supõem modificações do Código Penal e do Código de Procedimento Penal; na outra foram previstas normas cujas características não consentiam uma localização homogênea no interior da estrutura do código e que, por esta razão, foram colocadas em uma lei penal a latere, que por essa razão se pode definir como complementar.

A reforma penal até agora exposta se completou com a adoção por parte do Santo Padre Francisco de um Motu Proprio, também com data de ontem, que amplia o âmbito de aplicação das normas contidas nestas leis penais também aos membros, funcionários e empregados dos distintos organismos da Cúria Romana, às instituições vinculadas à mesma, aos organismos dependentes da Santa Sé e às pessoas jurídicas canônicas, assim como aos legados pontifícios e o pessoal diplomático da Santa Sé.

Esta extensão tem o fim de fazer com que?possam ser sancionados imperativamente por parte dos órgãos judiciais do Estado da Cidade do Vaticano os delitos tipificados nestas leis, inclusive no caso em que o fato tenha sido cometido fora das fronteiras do próprio Estado.

Entre as leis aprovadas ontem pela Pontifícia Comissão para o Estado da Cidade do Vaticano também está a lei pela que se estabelecem as normas gerais em matéria de sanções administrativas. Esta lei já tinha sido prevista pelo artigo 7, apartado 4, da Lei sobre as fontes do direito N. LXXI, de 1º de outubro de 2008, e estabelece a disciplina geral e de principio para a imposição de sanções administrativas.

Faz tempo que se percebia a necessidade desta disciplina, também em relação com a crescente importância da ilicitude administrativa, como tertium genus intermédio entre ilícito penal e o ilícito civil. Assim que disciplina de princípio, às disposições desta lei se terá que fazer referência sempre que outra lei estabeleça a imposição de sanções administrativas como resultado de uma violação, sem especificar em ordem ao procedimento de sanção, à autoridade competente e com o fim de outros efeitos menores.

Uma das pedras angulares do sistema introduzido pela presente lei está constituída pelo chamado princípio de legalidade, pelo que as sanções administrativas só poderão impor-se nos casos previstos pela lei. O processo de imposição se divide em uma fase de verificação e resposta da infração por parte dos escritórios competentes e uma fase de imposição da sanção, reposta em maneira geral às competências da Presidência do Governação.

Por último, está previsto o direito a apelação e a competência por matéria do Juiz único, salvo casos de penas de maior gravidade para os que se estabelece em troca a competência do Tribunal.

Para concluir esta breve apresentação se pode observar como as leis antes mencionadas se destacam não só por sua inegável importância substancial e sistemática, como também porque constituem um importante passo adiante do legislador vaticano para o acabamento do próprio equilíbrio ordinativo, necessário para assumir e promover tudo o que de construtivo e útil oferece a Comunidade internacional com o objetivo de uma mais intensa cooperação internacional e um seguimento mais eficaz do bem comum".