Nos últimos dias dezenas de veículos de comunicação em todo mundo acusaram o Vaticano de organizar orgias com jovens recrutadas como escravas sexuais por sacerdotes. A nova lenda urbana se apóia na nota de um blogueiro do portal Yahoo a Espanha, que envolveu clérigos no desaparecimento de uma jovem italiana em 1983, manipulando as memórias do famoso exorcista Padre Gabriel Amorth.

Thomas Castroviejo (ou Tom C. Avedaño) publicou na sexta-feira 25 de maio a nota "Emanuela Orlandi foi escrava sexual no Vaticano, afirma o exorcista mor" no blog Gazeta Trotamundos do Yahoo Notícias em Espanhol.

Avendaño –que em seu perfil do LinkedIn.com se apresenta como jornalista colaborador do El Pais, Cadena Ser e Informativos Cuatro– atribui ao Padre Amorth declarações que nunca fez.

"Já de por si cabe esperar palavras surpreendentes e inesperadas do principal exorcista do Vaticano. Mas nada podia ter preparado a Santa Sé para suas últimas declarações: o padre Gabriele Armoth (SIC) assegurou que Emanuela Orlandi, a famosa adolescente romana que foi seqüestrada em 1983, esteve em realidade no Vaticano durante o tempo do seu desaparecimento. Ali, os clérigos a converteram em sua escrava sexual e a usaram em várias orgias. Quando se cansaram dela, assassinaram-na", escreveu o blogueiro e citou como fonte uma nota aparecida no Daily Telegraph em 22 de maio.

Entretanto, o Daily Telegraph não incluiu sacerdote algum na denúncia. O jornal inglês citou declarações do Pe. Amorth publicadas pelo diário italiano La Stampa no mesmo 22 de maio e mencionou que no desaparecimento de Orlandi um policial que prestava serviços no Vaticano e funcionários estrangeiros de uma embaixada teriam estado envolvidos.

A difamatória tradução de Castroviejo foi considerada como notícia por diversos meios espanhóis e mundiais que difundiram como comprovada a participação de sacerdotes tanto em orgias dentro da Santa Sé como no desaparecimento e provável assassinato da jovem.

Mas aqui não termina a história de horror. No domingo 27 de maio, o portal ReligiónDigital.com –porta-voz do "progressismo radical" espanhol e dirigido pelo ex-sacerdote José Manuel Vidal– recolheu as invenções de Castroviejo e as ampliou.

ReligiónDigital.com publicou a nota titulada "O exorcista da Santa Sé: ‘Emanuela Orlandi foi escrava sexual no Vaticano’" na qual difama falecido Monsenhor Simeone Duca, que trabalhou no arquivo do Vaticano há três décadas, assinalando-o como o recrutador de jovens para orgias.

"Em entrevista com o jornal italiano La Stampa, o sacerdote de 85 anos e chefe de exorcistas do Vaticano nomeado pro João Paulo II, disse que Mons. Duca, arquivista do Vaticano, apresentou-se a si mesmo como o encarregado de recrutar meninas e jovens para reuniões clandestinas desta natureza, ajudado por guardas do estado papal", afirmou ReligionDigital.com.

A versão do Pe. Amorth

Tanto Castroviejo como ReligionDigital.com tergiversaram a nota original de La Stampa. O jornal italiano não entrevistou o Padre Amorth mas publicou um fragmento de seu livro "O último exorcista" no qual o sacerdote se refere ao caso Orlandi.

O que o Padre Amorth diz no livro –e como foi citado em La Stampa– foi literalmente:
"como também declarou Mons. Simeone Ducca, arquivista vaticano, organizavam-se festas nas quais também estava envolvido como ‘recrutador de moças’ um guarda (policial) da Santa Sé. Acredito que Emanuela foi vítima disto. Nunca acreditei na pista internacional, tenho motivos para acreditar que tratou-se de um caso de exploração sexual com o conseguinte homicídio pouco depois do desaparecimento e ocultação do cadáver (…) Nestes fatos estava também envolvido o pessoal do corpo diplomático de uma embaixada estrangeira ante a Santa Sé".

O caso Orlandi

Emanuela Orlandi tinha apenas 15 anos de idade quando em 22 de junho de 1983 desapareceu no centro de Roma. Filha de um empregado do Vaticano. Seu paradeiro é até agora desconhecido e foram difundidos dezenas de rumores que tentam vincular o caso com bispos, sacerdotes e até com a captura de Ali Agca, o turco que tentou assassinar o Papa João Paulo II em 1981.

Versões jornalísticas atribuíram o desaparecimento à "Frente de Liberação Turca", que pediu a libertação de Agca, personagem quem em várias ocasiões assegurou que a jovem estava viva e que vivia na Europa.

Em 2005, Sabrina Minardi, identificada como ex-amante do chefe da máfia Enrico De Pedis, assassinado em um ajuste de contas em 1990, assinalou o mafioso como autor do seqüestro de Orlandi e insinuou que em sua tumba encontrariam provas do desaparecimento da jovem.

Em 2009, Minardi disse à Procuradoria de Roma que ela foi encarregada de introduzir a jovem em seu automóvel e levá-la até o lugar onde disse seu amante havia indicado, mas assegurou desconhecer o paradeiro final de Orlandi.

Há duas semanas, no dia 14 de maio, as autoridades abriram a tumba de Pedis na basílica de Santo Apolinário –onde seus familiares conseguiram enterrá-lo- e só encontraram os restos de um homem, que ainda estão sendo investigados para confirmar sua identidade.

No domingo passado, o irmão de Emanuela Orlandi junto com um grupo de amigos chegou até a Praça de São Pedro durante a oração do Regina Caeli para exigir que o Papa que se pronuncie sobre este caso, a pesar de que seu porta-voz, o Padre Federico Lombardi, já havia manifestado duas semanas atrás que a Santa Sé seguirá ajudando os investigadores em tudo o que for possível.

No dia 15 de maio, o Padre Lombardi declarou à imprensa que "a inspeção realizada na tumba do Enrico De Pedis na basílica de Santo Apolinário, de Roma, por iniciativa da magistratura , é obviamente, um fato positivo".

O porta-voz pediu para que fossem dados "todos os passos possíveis" para concluir as investigações e garantiu à magistratura romana a "plena colaboração das autoridades eclesiásticas" para esclarecer o caso.