O bom cauteleiro

A história é muito simples: José Rodrigues Macedo, cauteleiro de Mangualde, precisou de levar o seu velho carro à oficina para um pequeno conserto. Tratava-se de afinar qualquer coisa e o próprio dono da oficina tratou do assunto sem grandes demoras. Em Mangualde todos conhecem José Rodrigues Macedo e todos reconhecem nele uma alegria e uma dignidade antigas. Invulgares, mesmo. Por esta razão, sentem que é um prazer ser útil a quem nunca pede favores e, mais, a quem não gosta de ter dívidas.

Quando o cauteleiro perguntou quanto devia pelo arranjo, Artur Santos Luís, o dono da oficina, disse que não era nada. O conserto foi coisa pouca e, assim sendo, não havia contas a fazer. O cauteleiro insistiu, mas o dono da oficina também.

Grato pelo gesto de amizade, José Rodrigues Macedo decidiu então pegar num bilhete de lotaria e oferecê-la a Artur Santos Luís como forma de retribuir o gesto e a amizade. O outro disse que não valia a pena e começou por recusar a oferta. O cauteleiro voltou a insistir e o dono da oficina acabou por aceitar. Guardou a cautela e esqueceu-se do assunto.

José Rodrigues Macedo voltou para casa com o carro impecável mas, acima de tudo, com a consciência tranquila. Toda a vida viveu assim, aliás. Pai de seis filhos e avô de 11 netos, trabalhou duramente para que não faltasse nada à sua família. Em tempos passados emigrou para Angola, onde viveu longos anos e onde, como ele próprio diz, aprendeu o valor da amizade e da solidariedade.

Aos 79 anos, José Rodrigues Macedo é delicado como poucos, um homem gentil, alegre e com um espírito novo e contagiante.

Conheci-o pessoalmente uma semana depois dos acontecimentos e impressionou-me a maneira como falou de tudo e, em especial, a paixão que revelou por Maria, a sua mulher. Declarou que amava muito todos e cada um dos seus filhos e netos, mas sublinhou que ninguém se comparava à sua mulher. Disse-o apaixonadamente e comoveu todos os que estavam presentes.

Voltando aos factos, na noite em que a lotaria andou à roda, o cauteleiro conferiu escrupulosamente os números premiados e verificou que o bilhete que tinha oferecido ao dono da oficina tinha ganho o primeiro prémio. Entusiasmado, pegou no telefone e falou com Artur Santos Luís que, naturalmente, não queria acreditar. Afinal a cautela valia 50 mil euros. Para ele, que é de outra geração, a notícia é que tinha acabado de ganhar 10 mil contos.

Incrédulo, Artur Luís ficou a saber nesse momento que a atitude de genuína amizade que tivera para com o cauteleiro acabava de ser premiada num valor incalculável para ambos. Percebeu que todo aquele dinheiro lhe caía literalmente do céu e, intimamente, teve que ter a certeza absoluta de que metade do que iria ganhar não lhe pertencia a si mas ao próprio cauteleiro.

Passada uma semana conheci José Rodrigues Macedo num programa de televisão onde coincidimos por motivos diferentes. Sentou-se ao meu lado com um sorriso luminoso e contou a história com uma alegria comovente, tendo o cuidado de não referir certos detalhes. Ninguém lhe perguntou se o dono da oficina dividiu o prémio com ele porque todos acharam naturalmente que sim. Eu sei que não, mas não é por isso que escrevo. Se falo de José Rodrigues Macedo e de toda esta história é porque me tocou a sua simplicidade e a maneira elegante e séria como agiu e falou. Acima de tudo impressionou-me aquilo que calou.

Laurinda Alves

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